quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Provados os malefícios do treinamento precoce de sono


Por: Tracy G. Cassels


Tradução: Gabriela de O. M. da Silva
Revisão: Juliana Rossi


Uma nova revisão de artigos que saiu no Jornal de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento [1]  me fez ouvir as trombetas, ver as nuvens se dissiparem e o sol iluminando tudo (e eu moro em Vancouver, BC, então isso não é algo que costumo  observar com frequência) ao finalmente ver alguém tratar do assunto de treinamento de sono em crianças pequenas ao resumir TODAS as pesquisas (embora seja apenas até os 6 meses de idade). Essa nova revisão examina todos os artigos de 1993 até agosto de 2013, que examinaram os efeitos dos treinamentos de sono em bebês menores de seis meses de idade.

Apenas um lembrete, caso as pessoas não saibam: vários médicos, especialistas em sono, treinadores de sono e clínicas especializadas começam a promover treinamentos de sono a partir dos 3 ou 4 meses de idade. Alguns pais começam até mesmo antes disso. Quando algum de nós se manifesta contra essa prática, argumentando que os bebês estão em um período delicado neste momento (o quarto trimestre de desenvolvimento) ou desenvolvendo naturalmente o ciclo circadiano e nós não queremos atrapalhar; ou ainda que este tipo de treinamento pode afetar o sucesso na amamentação, eles nos respondem que é nossa tarefa provar que esta prática causa mal se não queremos que seja promovida.  Bem... aqui está a prova.

Os doutores Pamela Douglas e Peter Hill, da Universidade de Queensland, na Austrália (para os quais eu gostaria de oferecer um drink) fizeram essa revisão. Um total de 43 artigos atenderam aos critérios para serem incluídos no estudo. Várias técnicas de treinamento de sono foram incluídas na revisão. Os suspeitos de sempre, bem como separar amamentação do sono e toque (ou seja, nunca deixar o bebê adormecer no peito ou no colo, ensinando a criança a se "auto-acalmar" sem toque ou alimento), marcar horários para o sono estando o bebê cansado ou não e diminuir o estímulo durante o dia. Observaram todos esses aspectos para ver os resultados associados a eles nas crianças e nas mães.

Uma das revelações mais impressionantes foi a de que os artigos promovendo treinamento de sono logo nos primeiros meses não tinham na verdade  nenhum embasamento científico. O que vários deles descobriram foi simplesmente que o sono se consolida rapidamente durante os primeiros quatro meses após o parto e por causa desse comportamento, tomaram como evidência científica que o treinamento de sono iria prevenir problemas futuros nos ciclos de vigília-sono dos bebês. Porém, quando resolveram olhar os resultados disso nas mães e nos bebês (como eram elas as principais responsáveis por realizar o treinamento), descobriram o seguinte:

  • Treinamento de sono nas primeiras 12 semanas resulta em duração maior dos períodos de sono, mas não reduz a quantidade de choro, que é a principal preocupação dos pais que procuram por treinamento de sono.
  • Aumento dos despertares noturnos nos bebês amamentados não estava associado a problemas de sono ou comportamento de longo prazo, apesar de vários sugerirem problemas que demorariam a ser resolvidos se a criança continuasse acordando à noite.
  • Crianças que apresentam despertares noturnos ou outros distúrbios do sono aos 6 meses (sem intervenção) têm saúde mental completamente normal ao atingirem a juventude, o que significa que aqueles que sugerem uma ligação com problemas futuros não podem sustentar sua teoria.
  • Para os que se preocupam com mães que entram em depressão, treinamento de sono antes dos 6 meses não conseguiu diminuir de forma alguma a depressão materna. Na verdade, os problemas de sono da mãe não se relacionavam com o sono do bebê, mas com a depressão em si, e não o bebê.
  • Na verdade, descobriu-se que era a depressão da mãe que influenciava no aumento de tempo pelo qual o bebê acordaria à noite (apesar de não influenciar a frequência dos despertares), e não o contrário.
  • Mães que amamentam acordam com mais frequência para alimentar o bebê, mas relatamqualidade melhor de sono e índices mais baixos de depressão pós-parto.
  • Os poucos estudos que descreveram uma diminuição na depressão da mãe devido a intervenções no sono, eram na verdade intervenções bem complexas com vários elementos (incluindo apoio à mãe) e dessa forma a diminuição na depressão não poderia ser relacionada diretamente ao treinamento de sono.
  • Desassociar a amamentação do sono em crianças menores de 6 meses de idade foi associado a maior fracasso na amamentação.
  • Horários rígidos para o sono e outros cuidados nos primeiros 6 meses de vida, estão associados a 3 vezes mais riscos de problemas comportamentais aos seis meses de idade, e o dobro da quantidade de choro dos bebês que recebiam os cuidados sempre que pediam.
  • Colocar um bebê em um quarto escuro durante o dia sob o pretexto de que precisam dormir ou chorar por estarem "super estimulados" ou "cansados demais", na verdade inibe a consolidação do sono noturno (o que significa mais despertares noturnos) e aumenta o risco da morte-súbita (SIDS). Isso também reduz a habilidade da mãe de desenvolver um bom ritmo biológico diário com o bebê, o que reduz a saúde mental materna.
  •  O foco das intervenções no sono - o quanto o bebê dorme, quanto tempo fica acordado entre as sonecas, a quantidade de despertares, etc. - na verdade aumenta a ansiedade dos pais. E isso pode também resultar em sono pior para o bebê.


Talvez o mais interessante de tudo, apesar de não ser uma consequência, é que a maioria das famílias não fala em problemas no sono durante os primeiros seis meses do bebê. A maioria das pessoas estão sendo orientadas a usar essas técnicas comportamentais como medidaspreventivas de problemas futuros. Além de não existir evidência de que isso funcione, como acabamos de ler, pode na verdade trazer mais problemas para a família a curto e médio prazos. Como nenhum desses estudos sequer olhou para questões sociais ou emocionais que podem surgir a longo prazo devido a treinamentos tão precoces, a pergunta de quais podem ser os riscos a longo prazo continua sem resposta.

O que fazer? Como os autores sugerem, o tratamento precisa ser holístico. Na cabeça desses autores e pesquisadores, o tratamento precoce de qualquer problema deveria evitar o treinamento de sono e qualquer  técnicas behaviorista, dando lugar à orientação  sobre cuidados baseados nas necessidades do bebê, sincronia entre os pais e a criança, ritmos biológicos diários saudáveis, além de falar a respeito da ansiedade dos pais em relação ao sono e o choro normal. Além disso, dificuldades na alimentação deveriam ser examinadas como uma das causas potenciais do comportamento agitado do bebê, e dessa maneira os pais devem receber toda a assistência necessária para resolver quaisquer problemas na alimentação.

Não disseram que seriam necessários 20 anos de estudos para provar que causava mal? Não poderíamos ter evitado isso e poupado todas essas famílias de passar pela ansiedade, estresse e problemas advindos da recomendação de algo que não havia sido provado como inofensivo apesar de ir contra todas as normas biológicas?

Então... treinadores de sono, "especialistas" em bebês, médicos e todos os demais que promovem treinamento de sono em bebês novinhos. O que vocês vão fazer agora?





[Créditos da imagem:  Desconhecido]


[1] Douglas PS, Hill PS.  Behavioral sleep interventions in the first six months of life do not improve outcomes for mothers or infants: a systematic review.  J Dev Behav Pediatr 2013; 34: 497-507.



Link para o texto original em Inglês:

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