domingo, 23 de fevereiro de 2014

A recepção do recém-nascido e o vídeo que "emocionou" as redes sociais





Está circulando nas redes sociais esse vídeo em que o bebê não quer se separar da mãe e muita gente comentando, "ai que lindo", "que fofo" e afins. Eu te digo, não achei nada de lindo, mas sim doloroso, cruel, para mãe e filho, pois não precisava ser assim. Talvez até para o pai, que muitas vezes é impedido de estar presente, em companhia da mulher. Ela não precisava estar amarrada, assim como o bebê não precisava se afastar. O que me comove são as pessoas pensarem q isso é normal e não é. É rotineiro, mas não é normal. O ser humano é a única espécie que separa o bebê da sua mãe assim que nasce e eu pergunto, por quê? Alguém já se perguntou o por que de levarem o bebê e só trazer depois? O por que de você não poder ficar com seu filho assim que ele nasce? A única coisa de que o bebê precisa ao nascer é estar no colo da mãe. É sentir o seu carinho, é o aconchego, é mamar nos primeiros minutos de vida. O resto, na maioria das vezes, é desnecessário. O bebê ao nascer, deve ser colocado, de imediato, junto à mãe, e ali ficar por todo o tempo, salvo alguns raríssimos casos em que haja problemas específicos que necessite de atenção imediata.

Antigamente, "as mortes que ocorriam davam-se muito mais por desconhecimento (e portanto não tratamento) de fatores de risco durante a gravidez (como hipertensão ou diabetes), pela falta de sanitarismo básico e ações simples como lavar as mãos e ferver os utensilios usados para cortar o cordão umbilical por exemplo. 

Além disso, existiam (e ainda existem em algums regiões) alguns ritos que eram replicados de geração para geração, utilizadas no cuidado do coto umbilical como uso de substâncias que continham bactérias causadoras de riscos, danos e agravos à saúde do recém-nascido, predispondo-o a onfalites pela prática cultural (GALLAGHER; SHAH, 2009; SARAYVA, 2003)." (Retirado do Blog Mulheres Empoderadas)

Vejo muitas mães falando, "ah, mas assim que nasceu o bebê ficou o tempo todo comigo". Quando pergunto se só o aconchegaram no seu colo e pronto, se não saiu mais dali mesmo, nem por um minuto, aí se lembram "ah, na hora q nasceu o levaram, mas logo que voltou ele ficou o tempo todo comigo". E aí, você nunca se perguntou porque o levaram? O que fizeram com o bebê nesse tempo que ele passou afastado? Algo que eu nunca engoli foi isso.

Apesar das evidências demonstrarem a "não-necessidade" dessas intervenções, a maioria dos pediatras seguem o protocolo dos hospitais. Protocolos ultrapassados, que realizam intervenções de rotina nos recém-nascidos (assim como nas gestantes) e os tratam todos iguais, independente de necessitarem ou não de cuidados e sem respeitar nem um pouquinho as individualidades do momento único do nascimento e a transição do bebê do ambiente intra-uterino para o extra-uterino. 

Minha filha nasceu de parto normal hospitalar, saudável, apgar 9, nada de anormal nem comigo nem com ela. Mas ao nascer, eu não pude sentir seu corpinho e fui privada daquele contato pele com pele. A levaram e minha sogra, que era quem me acompanhava, foi atrás mas não a deixaram chegar perto e muito menos fotografar. E assim ela ficou, longe de mim, por pelo menos 1 hora. Eu estava sendo costurada por conta de uma episio (diga-se de passagem, desnecessária), e ela longe de mim, sabe lá fazendo o quê. Quando fui pra sala de recuperação, aí sim a trouxeram num berço, enroladinha, limpinha, e a deixaram do meu lado. Lembro como se fosse hoje, a enfermeira dizendo "tá aí, se quiser já pode amamentar". E eu pegá-la no berço, sem saber de nada, e colocá-la no meu peito, sozinha, sem ninguém pra explicar, mostrar nada. Pois bem, aquilo mexeu comigo e nunca entendi o fato de um bebê saudável não ter ficado comigo assim que nasceu. Pesquisando, me informando, é que fui entender o que acontecia aos bebês e o quanto isso era extremamente desnecessário e sem nenhum embasamento científico.

Vamos à lista de intervenções:


1. Clampeamento precoce do cordão umbilical:
Para iniciar o assunto, é importante frisar que cerca de 20% das crianças brasileiras estão anêmicas. O clampeamento precoce do cordão é o primeiro procedimento desnecessário feito no bebê. Ao se cortar o cordão precocemente (antes que ele pare de pulsar), o bebê é privado de até 40% do seu próprio sangue. Sangue este, que preveniria uma anemia futura. Se o cordão permanece ali, intacto, ligado ao bebê e a placenta...ele vai continuar a transferir todo o sangue do bebê para ele e vai aos poucos parando de pulsar, quando o bebê tiver recebido 100% do seu sangue, o cordão fica "murcho", para de pulsar, e pode ser cortado sem trazer nenhum dano ao bebê. 
Além disso, o bebê capta oxigênio utilizando os pulmões pela primeira vez no momento que nasce e inspira o ar (até então todo o oxigênio vinha através do cordão umbilical). Não cortar o cordão precocemente permite que o bebê continue a receber oxigênio do cordão umbilical, dessa forma ele tem a chance de aprender a respirar aos poucos, sem um corte abrupto. 


2. Aspiração das vias aéreas
O procedimento de aspiração rotineira para remover secreções das vias orais e nasais do RN tem uma utilidade um tanto duvidosa. Segundo os pediatras que o fazem os possíveis benefícios são a melhora da troca gasosa e redução da possibilidade de aspirar secreções. O que eles não contam é que os potenciais riscos da pratica incluem arritmias cardíacas, laringoespasmo (oclusão da glote devido a contraçäo dos músculos da laringe), e vasoespasmo da artéria pulmonar. A grande maioria dos bebês nascem bem e não precisam ser aspirados. Eles são perfeitamente capazes de limpar suas próprias vias áereas (tossindo, espirrando). Além disso, os bebês que nascem por parto vaginal, ao passar pelo canal de parto, os pulmões do bebê são massageados, provocando a expulsão natural dos líquidos. A aspiração, tanto a orotraqueal (pela boca) quanto a nasotraqueal (pelo nariz) causam muito desconforto para o bebê, basta que você imagine um cateter (sonda) sendo enfiado no seu nariz e indo até a sua traqueia, "aspirando" tudo que tiver lá e depois sendo puxado para fora novamente. Agora, imagine passar por esse procedimento no seu primeiro minuto de vida, após sair de um ambiente quentinho, escuro, protegido. Sem dúvida não é uma boa maneira de se chegar ao mundo né? 




E se o procedimento for necessário? Nesses casos devem-se utilizar pêras de aspiração ao invés de cateteres, dessa forma é menos provável que aconteçam arritmias. 


3. Aspiração gástrica
A prática de aspiração gástrica rotineira foi introduzida após uma sugestão não-testada, de que a angústia respiratória de lactentes de mães diabéticas frequentemente era causada por regurgitação e, sendo assim, a aspiração desse vômito poderia ser evitada por aspiração gástrica. A introdução do tubo no bebê recém-nascido pode causar bradicardia, laringoespasmo e pertubação do comportamento alimentar. Não existe nenhuma justificativa para a realização da aspiração gástrica rotineira. Porém, o procedimento continua a ser realizado todos os dias em diversos hospitais publicos e privados do país. Uma pesquisa baseou-se em prontuários de 277 recém-nascidos que nasceram de gestações de baixo risco e foram considerados vigorosos (ou seja, nasceram muito bem, obrigada!) no ano de 2006 em dois diferentes hospitais do país. Constatou-se que a aspiração gástrica foi feita em 94% e 86% dos bebês, respectivamente, enquanto a aspiração de vias aéreas ocorreu em 96% e 91% dos recém-nascidos. Portanto, mães e pais, não fiquem aí pensando que é "exagero, não devem fazer isso em todos!!"



4. Aplicação do colírio de nitrato de prata
Esse procedimento consiste em pingar uma gota de colírio de nitrato de prata em cada olho do recém-nascido de forma rotineira. Esse procedimento foi introduzido em 1881, para o controle da oftalmia gonocócica do recém-nascido (uma espécie de conjuntivite bastante grave, que é contraída no momento do nascimento, a partir do contato com secreções genitais maternas contaminadas com a bactéria), que era comum naquela época. O procedimento então passou a ser utilizado em todos os hospitais e continua sendo assim até hoje. A questão é que, bebês que nascem por cesareana, por exemplo, não passaram pelo canal vaginal, portanto, não tem chances de adquirir a doença. Alguém por favor me explica, POR QUE ELES TAMBÉM RECEBEM O COLÍRIO ROTINEIRAMENTE? E tem mais, o colírio de nitrato de prata resulta em um alto índice de conjuntivite química e é ineficaz contra a Chlamydia (que em muitas regiões é a causa mais comum de oftamia neonatal atualmente). Além disso, medicamentos tópicos aplicados aos olhos dos recém-nascidos podem reduzir a abertura ocular e inibir respostas visuais. Isso pode atrapalhar a interação visual entre a mãe e o bebê durante a primeira hora de vida. Infelizmente, o colírio de nitrato de prata (Credé) é recomendado (ainda) pelo Ministério da Saúde, e alguns estados têm legislação específica para o seu uso, mas ninguém pode ser OBRIGADO a deixar seu RN ser submetido a esse método ultrapassado que não previne a oftalmia por clamídia e ainda promove conjuntivite química. É absurdo. O que se pode fazer é solicitar ao obstetra (no caso de não ser um obstetra humanizado) que faça a cultura andovaginal para gonorréia durante o pré-natal. Com o resultado negativo em mãos, é possível argumentar com o pediatra durante a consulta pré-natal e exigir que seu bebê NÃO receba o colírio. Se o uso for necessário, o colírio de nitrato de prata pode ser substituído pela eritromicina, que previne tanto a oftalmia gonocócica quanto a por clamídia, ou seja, é mais eficaz. Além disso, mesmo que seja necessário o uso do colírio ele pode ser aplicado 1h após o nascimento do bebê. A primeira hora de vida do bebê não deve ser perturbada, mãe e bebê devem ser deixados em paz. 


5. Vitamina K
A administração de vitamina K nos recém-nascidos é uma forma de profilaxia contra a doença hemorrágica do recém-nascido.Na década de 50 (antes da vitamina K começar a ser utilizada de forma profilática) aproximadamente 4 a cada 1.000 nascidos apresentavam a doença. Até o presente momento, preconiza-se a administração de vitamina K em todas as crianças, pois as conseqüências desta hemorragia podem ser graves, justificando uma ação preventiva eficaz. A administração de Vitamina K é realizada nos hospitais através de uma injeção intramuscular na coxa do RN. Apesar de eficaz, esse procedimento é invasivo e muito doloroso. Podem-se obter índices semelhantes de proteção contra a doença administrando a vitamina K via oral, em doses repetidas (no dia do nascimento, e após 1 ou 2 semanas de vida). Deve ser ressaltado que os recém-nascidos com maior risco para doença hemorrágica, a saber, prematuros com baixo peso ao nascimento, com complicações perinatais, filhos de mães que usaram anti-convulsionantes, anticoagulantes e tuberculostáticos na gestação, devem receber a profilaxia na forma intramuscular. Ou seja, lactentes de alto risco devem receber a vitamina K intramuscular. E lactentes de baixo risco (bebês a termo, saudáveis, sem nenhuma complicação) podem receber a vitamina K via oral. O uso dessa forma de profilaxia exige que os pais se responsabilizem pela conclusão do tratamento, administrando as outras doses via oral em casa, no tempo estabelecido. Leia, pergunte, pesquise e converse com o pediatra. Sim, você tem opção!


6. Separação mãe-bebê. Tempo de "observação" no berçário (incubadora)
Na maioria dos hospitais em nosso país, os bebês depois de passarem por todos os procedimentos de rotina já listados acima, são apresentados a mãe (é nessa hora que geralmente os pais tiram as fotos em família) e já vão para o berçário, onde são pesados, medidos, muitas vezes já dão até banho...e depois ficam em "observação" (mesmo nascendo perfeitamente saudáveis) por X horas estipuladas no protocolo de cada hospital (já vi hospitais que deixam 2 horas, 3 horas, até 12 horas!). O bebê é deixado em berço aquecido ou incubadora, sozinho, em um "mundo estranho"...apenas por rotina. A minha filha ficou 3 horas no berçário...enquanto isso, eu pedia para que meus parentes fossem até o berçário e tirassem fotos dela através do vidro, e trouxessem para eu ver, para eu saber como ela era, como ela estava, onde ela estava. E o pior dessa separação, é que muitos hospitais introduzem as fórmulas enquanto os bebês estão no berçário, prejudicando o aleitamento materno e a saúde do bebê (foi o caso da minha filha, tomou NAN ainda no hospital). O Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde enfatizam cada vez mais a importância do contato pele a pele assim que o bebê nasce, e a amamentação imediata, além do alojamento conjunto durante todo o tempo. Não há nenhuma necessidade em levar o bebê para o berçário e deixa-lo horas lá. Aliás, há sim... a necessidade do hospital faturar um pouquinho mais...pelo uso dos equipamentos por X horas.






7. Banho e retirada do vérnix

O vernix caseoso é uma substância gordurosa produzida pelas glândulas sebáceas e que recobre a pele do RN; alguns estudos mostram uma ação protetora desta substância sobre a pele do bebê.
Ao nascer, normalmente, já dão o primeiro banho do bebê logo após o parto e retiram essa proteção. Mais um procedimento desnecessário, visto que o vérnix não é sujeira e só traz benefícios para a pele do bebê e a recomendação é que se espere um prazo médio de 24 hrs para sua retirada.
O vérnix atua como um creme evanescente que penetra nos poros ou desaparece em contato com as roupas em 12 a 24 horas, sendo assim, basta esperar que logo ele será removido por conta própria. E caso não saia depois de 24 hrs aí sim, recomenda-se que seja retirado.

A maioria das pessoas desconhece as funções protetoras do vérnix para a pele do recém-nascido. O banho, logo após o parto, pode retirar toda esta camada, deixando de observar seus inúmeros benefícios:
  • Bloqueio contra a perda de água no corpo e na pele;
  • Regulação térmica interna do bebê;
  • Hidratação da pele;
  • Proteção contra infecções causadas pelo contato com a pele, como as bacterianas. 
  • Ajuda na formação do manto ácido (proteção contra micro-organismos, tais como fungos e bactérias);
  • Contém melanina (proteína responsável pela coloração da pele e dos cabelos que protege contra os raios ultravioleta);
  • Regeneração da pele em decorrência de assaduras formadas nos recém nascidos após as primeiras semanas de vida.
Eu não entendo, como as pessoas podem ver vídeos como esse acima, ou até esse abaixo e achar "lindo" o milagre da vida. Esse vídeo mostra claramente algumas dessas intervenções e eu só sinto uma agonia tremenda ao ver. Veja você e me diga se isso é mesmo normal:



É isso! Esses são os procedimentos para os quais levam seu bebê ao nascer. Fora todas as intervenções que a mãe sofre sem necessidade. E é por conta deles e outros que hoje luto pelo meu parto humanizado. E não, humanizado não é parto na água ou de cócoras, mas sim um parto respeitável não só para mãe quanto para o bebê. Aqui segue um vídeo da querida Aláya Dullius sobre a diferença entre parto normal x natural x humanizado:




E para quem acha o vídeo lindo. Aqui segue algo que EU, acho lindo! Mães e bebês juntos, desde o momento do nascimento. E pais presentes, sem serem impedidos de participar desse momento.



Viviane Pires, e a pequena Alice sendo avaliada no colo da mãe.





Luciana Rodovalho, contando com o apoio e presença do marido a todo tempo





Daniele Carcute se deliciando com o momento no colo do maridão





Sávia Soares com a pequena Valentina





Fernanda Rezende Silva e sua princesa, que ao contrário do que ocorre no vídeo, ali ficou por todo o tempo.


Elisa Lorena com a pequena Yara


E para finalizar, aqui segue mais um vídeo sobre a humanização desse momento:





Referências:
A recepção do recém-nascido, disponível em: http://partohumanizadob.blogspot.com.br/2012/07/recepcao-do-recem-nascido.html
O papel do vérnix na pele do seu bebê, disponível em: http://www.popmundi.com.br/vidaeestilo/saiba-mais-o-papel-do-vernix-na-pele-do-seu-bebe/

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Olha esse vento nas costas menino!

Por Dráuzio Varella, médico e escritor. Texto publicado em seu site.

Cuidado com a friagem, meu filho! Minha avó falava assim. A sua, provavelmente, também. Acho que todas as avós do mundo tiveram essa preocupação com os netos. Acostumados a considerar sábios os conselhos que chegaram até nós pela tradição familiar, também insistimos com nossos descendentes para que se protejam da friagem e dos golpes de vento, sem nos darmos conta de que fica estranho repetirmos tal recomendação ingênua em pleno século 21.
Se friagem fizesse mal, a seleção natural certamente nos teria privado da companhia de suecos, noruegueses, canadenses, esquimós e de outros povos que enfrentam a tristeza diária de viver em lugares gelados.
A crendice de que o frio e o vento provocam doenças do aparelho respiratório talvez seja fácil de explicar. Sem ideia de que existiam vírus, fungos ou bactérias, nossos antepassados achavam lógico atribuir as gripes e resfriados, que incidiam com maior frequência no inverno, à exposição do corpo às temperaturas mais baixas.
É possível que a conclusão tenha sido reforçada pela observação de que algumas pessoas espirram e têm coriza quando expostas repentinamente às baixas temperaturas, sintomas de hipersensibilidade (alergia) ao frio, que nossos bisavós deviam confundir com os do resfriado comum.
Confiantes na perspicácia de suas observações, as gerações que nos precederam transmitiram a crença de que friagem e golpes de ar provocam doenças respiratórias, restringindo a liberdade e infernizando a vida de crianças, adolescentes e até dos adultos:
– Não beba gelado, filhinho! Não apanhe sereno! Não saia nesse frio, minha querida, vai pegar um resfriado! Agasalhe essa criança; ela pode ficar gripada. Feche a janela, olhe esse vento nas costas! Descalço no chão frio? Vá já calçar o chinelo!
Crescemos obedientes a essas ordens. Quanto calor devemos ter sofrido no colo de nossas mães enrolados em xales de lã em pleno verão? Quantos guaranás mornos fomos obrigados a tomar nos aniversários infantis? Para sair nas noites frias, quantas camadas de roupa tivemos de suportar? Quantas vezes interromperam nossas brincadeiras porque começava a cair sereno?
A partir dos anos 1950, foram realizadas diversas pesquisas para avaliar a influência da temperatura na incidência de gripes, resfriados e outras infecções das vias aéreas.
Nesses estudos, geralmente realizados nos meses de inverno rigoroso, os voluntários foram divididos em dois grupos: no primeiro, os participantes passavam o tempo resguardados em ambientes com calefação, sem se exporem à neve ou à chuva. No segundo grupo, os participantes eram expostos à chuva, à neve e aos ventos cortantes.
Nenhum desses trabalhos jamais demonstrou que a exposição às intempéries aumentasse a incidência de infecções respiratórias. Ao contrário, diversos pesquisadores encontraram maior frequmicróência de gripes e resfriados entre os que eram mantidos em ambientes fechados.
Numa cidadezinha do interior da Holanda, na segunda metade do século XVII, um dono de armarinho chamado Antoni Leeuwenhoek, que tinha como distração estudar lentes de aumento, montou um aparelho que aumentava o tamanho dos objetos. Por uma curiosidade particular, dessas que costumam mudar os rumos da ciência, Leeuwenhoek, em vez de usar seu microscópio rudimentar para ampliar coisas pequenas, como patas de mosquitos, olhos de mosca ou buracos de cortiça, conforme faziam os ingleses naquela época, procurou as invisíveis. Examinou uma gota de chuva, a própria saliva, uma gota de seu esperma e ficou estarrecido com o que seus olhos viram.
Relatou assim suas descobertas: “No ano de 1675, em meados de setembro (…) descobri pequenas criaturas na água da chuva que permaneceu apenas alguns dias numa tina nova pintada de azul por dentro (…) esses pequenos animais, a meu ver, eram 10 mil vezes menores do que a pulga-d’água, que se pode ver a olho nu”.
Mais de 300 anos depois da descoberta dos micróbios, ainda continuamos a atribuir à pobre friagem a causa de nossas desventuras respiratórias. Convenhamos, não fica bem! Esquecemos que resfriados e gripes são doenças causadas por vírus e que sem eles é impossível adquiri-las. Aceitamos passivamente que o sereno faz mal quando cai em nossas cabeças e que o vento em nossas costas nos deixa doentes, sem pensarmos um minuto na lógica de tais afirmações. Qual o problema se algumas gotas de sereno se condensarem em nosso cabelo? E o vento? Por que só quando bate nas costas faz mal? Na frente não?
Gripes, resfriados e outras infecções respiratórias são doenças infecciosas provocadas por agentes microbianos que têm predileção pelo epitélio do aparelho respiratório. Quando eles se multiplicam em nossas mucosas, o nariz escorre, tossimos, temos falta de ar e chiado no peito. A presença do agente etiológico é essencial; sem ele podemos sair ao relento na noite mais fria, chupar gelo o dia inteiro ou apanhar um ciclone nas costas sem camisa, que não acontecerá nada, além de sentirmos frio.
A maior incidência de infecções respiratórias nos meses de inverno é explicada simplesmente pela tendência à aglomeração em lugares com janelas e portas fechadas para proteger do frio. Nesses ambientes mal ventilados, a proximidade das pessoas facilita a transmissão de vírus e bactérias de uma para outra.
A influência do ar condicionado na incidência de doenças respiratórias, entretanto, não segue a lógica anterior. A exposição a ele realmente favorece o aparecimento de infecções respiratórias agudas, mas não pelo fato de baixar a temperatura do ambiente (o ar quente exerce o mesmo efeito deletério), e sim porque o ar condicionado desidrata o ar e resseca o muco protetor que reveste as mucosas das vias aéreas. O ressecamento da superfície do epitélio respiratório destrói anticorpos e enzimas que atacam germes invasores, predispondo-nos às infecções.
http://drauziovarella.com.br/drauzio/olhe-esse-vento-nas-costas-menino/