sábado, 2 de novembro de 2013

Resposta à matéria sobre a lei da palmada na Suécia


Está rolando uma matéria na mídia (original da associação francesa de notícias APF) sobre educação infantil na Suécia, que foi traduzida para o português e publicado em várias agências de notícias brasileiras. 


Um fato curioso é que o artigo original NÃO discute palmadas, mas discute educação familiar.

Curiosamente, por algum motivo, a palavra ‘palmada’ e a lei que proíbe castigos físicos acabou no título da matéria!

Podemos pensar em vários motivos. Por exemplo, que uma lei que proíbe castigos físicos na França está em tramitação então chamar atenção ao fato seria uma jogada política para tentar manipular a opinião pública naquele país. Ou, outro motivo talvez seja o fato do psiquiatra sueco entrevistado, Dr. David Eberhard ter escrito e lançado recentemente um livro sobre o tema educação infantil e essa seria uma estratégia de marketing para sua venda. 

São especulações, mas o fato é que Dr. Eberhard NÃO está argumentando que se deva re-introduzir o uso de palmadas nas famílias suecas, como muitas pessoas estão interpretando.

Ele está criticando, sim, o modo de educação sueco de uma maneira generalizada. Mas, ele não realizou absolutamente 
NENHUM estudo científico epidemiológico sobre o tema, portanto a matéria é opinativa, e não científica. 

Não foi realizado estudo algum que pudesse descobrir uma relação causal entre a lei contra castigos físicos e o estilo de educação realizado nos dias atuais (lembrem-se, 30 anos depois!).

Nenhum questionário foi feito, aplicado, e interpretado, onde fatores confundidores (outros fatores que podem interferir no resultado final) fossem bem controlados. Nada disso. 

Não se enganem! O psiquiatra apenas deu sua opinião e citou o caso de algumas poucas famílias problemáticas para respaldá-la. 
Podemos entrevistar outros psiquiatras, ou outros profissionais de áreas afins, e angariarmos vários outros tipos de opiniões. Sem um estudo bem feito, tudo isso não passa disso mesmo – opinião, e não fato. 

A Suécia tem uma lei que proíbe castigos físicos em crianças desde 1979. Foi o primeiro país que adotou essa lei, e desde então mais países a adotaram – no total foram 33 países no mundo todo. Na América do Sul somente Venezuela e Uruguai adotaram lei semelhante. Mas a tendência evolutiva é que mais e mais países reconheçam o direito das crianças de serem educadas com respeito e inteligência.

A lei sueca de 1979 demorou décadas para se concretizar: em 1920 houve a primeira descrição de direitos das crianças; em 1958, proibiu-se castigos físicos em escolas, e então nos anos 70, após alguns casos de ‘espancamentos disciplinatórios’, em 1977 o parlamento sueco criou o comitê para discutir direitos das crianças. Antes da lei de 1979 se tornar oficial, foi explicado à população que a lei não resultaria em punição aos pais (inclusive traduzido em várias línguas e impresso em caixas de leite); que crianças devem ser tratadas com respeito pela pessoa e indivíduo que são e merecem uma boa educação sem uso de punições corporais ou qualquer outro tratamento humilhante. 

Em 1965, metade dos suecos acreditavam que era preciso bater em crianças para educá-las. Em 1981, somente um quarto achava. Em 1994, 11% da população apoiava o uso de punição corporal. 

Estatísticas criminais indicaram que houve uma diminuição no número de adolescentes entre 15-17 anos envolvidos em vários tipos de crime, incluindo roubo, crimes por narcóticos, estupros e outros entre 1983 e 1996. O uso de álcool/drogas e suicídio também diminuiu entre 1971 e 1997.* 

Estudos feitos em 2000 com entrevistas de pais de 1.609 crianças, e um questionário nacional preenchido por 1.764 crianças entre 11-13 anos, e uma pesquisa nacional respondida por 1.576 pessoas de 20 anos revelaram que, em comparação com estudos anteriores, menos crianças (20%) relataram apanhar, e 4% de crianças entre 11-13 anos e 7% de jovens de 20 anos, relataram punições corporais severas com objetos. Entrevistas com pais revelaram que 53% apoiavam palmadas em 1965 e somente 10% em 1999. A proporção de crianças que aceitavam punições corporais também diminuiu de 50% em 1995 para 25% em 2000. (Janson, S., 2000, Children and abuse - corporal punishment and other forms of child abuse in Sweden at the end of the second millennium: A scientific report prepared for the Committee on Child Abuse and Related Issues, Ministry of Health and Social Affairs, Sweden,www.regeringen.se/content/1/c4/11/98/b1ebdfe0.pdf )

Existem muitos dados, relatórios e estudos, mas vamos parar por aqui, pois acreditamos que os benefícios da aplicação da lei na Suécia estão explícitos. 

Agora temos que tocar em outro ponto. Quando se fala em abolir castigos corporais, não se fala em abolir os limites. Em abolir a educação. O problema é que a maioria dos pais não sabe dar limites sem ser batendo e só conhece dois caminhos extremos: da tirania da palmada à total permissividade.

Como se houvessem somente dois aspectos na educação infantil – permissividade e autoritarismo. Enganam-se. Na verdade, são quatro estilos: autoritarismo (com uso de castigos físicos e psicológicos), negligência, permissivismo e autoridade amorosa (disciplina positiva).

Convido os leitores a ler esse texto e compreender a diferença entre os quatro estilos, para assim tomar uma decisão consciente sobre isso – https://www.facebook.com/notes/bater-em-criança-é-covardia/onde-está-a-linha-tênue-entre-o-permissivismo-e-o-autoritarismo/602041956522188

Entenderão que ensinar limites passa longe da palmada. Crianças mal educadas sempre existirão simplesmente porque sempre existirão pais mal preparados. 

Se seguirmos a linha da matéria, poderíamos fazer uma reportagem com crianças brasileiras que desrespeitam professores, ameaçam fisicamente e dizer que a culpa é da educação por palmadas.

Desafiamos a todos que a matéria é uma crítica à permissividade.

Cabe aos pais se envolverem, se conectarem com seus filhos e educarem sem agressões. Cabe a eles se comunicarem com seus filhos, ao invés de ficarem nos seus eletrônicos ou na frente da TV. O fato é que pais não estão mais envolvidos com seus filhos, e não que não batem neles. Eles estão ignorando os filhos e quando algo dá errado, eles punem ao invés de ensiná-los. 

Uma criança mal educada é produto de seu ambiente, então uma criança particularmente ‘mimada’ diz mais a respeito dos seus pais do que dela mesma. 

Novamente desafiamos que punição não tem NADA a ver com educação. O que tem a ver é conexão, envolvimento com os filhos, exemplos, respeito mútuo. 

Se a Suécia está errando no lado da permissividade, o Brasil está errando no lado do autoritarismo com uso de castigos físicos. 

Num país onde 15 crianças são espancadas por hora, e todos, absolutamente TODOS espancadores justificam ‘estar educando’, está mais do que na hora de refletir, evoluir e se envolver mais na educação respeitosa e inteligente para com nossos filhos. 

* Fontes: Durrant, J., 2000, A Generation Without Smacking: the impact of Sweden’s ban on physical punishment, Save the Childrenwww.endcorporalpunishment.org/pages/pdfs/GenerationwithoutSmacking.pdf)
Durrant, J., 1996, The Swedish Ban on Corporal Punishment: Its History and Effects www.nospank.net/durrant.htm 

Durrant, J. & Olsen, G., 1997, “Parenting and Public Policy: Contextualizing the Swedish Corporal Punishment Ban”, Journal of Social Welfare and Family Law, vol. 19, issue 4, pp. 443 – 461

Durrant, J, 2000, “Trends in Youth Crime and Well-Being Since the Abolition of Corporal Punishment in Sweden”, Youth and Society, vol. 31, no. 4, pp. 437 – 455www.radford.edu/~junnever/articles/sweden.pdf


(Texto elaborado por A. Mortensen para a página 'Bater em criança é covardia')

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